Génese e história da actual Lei

A Lei do Preço Fixo do Livro, cujo texto oficial pode ser consultado aqui em versão pdf, ou aqui em versão doc, surgiu em Portugal em 1996, mas não foi resultado nem do capricho nem da ideologia do governante de então. Houve um conjunto de circunstâncias na altura que levaram à conclusão de que a Lei era fundamental para salvar o Livro. Algumas dessas circunstâncias já estão suficientemente desenvolvidas no preâmbulo da Lei, que deve ser lido em complemento ao que aqui se segue.

Em 1996, tinham passado cerca de dez anos sobre o surgimento dos hipermercados em Portugal, tardio (40 anos depois de França) mas de sucesso imediato junto dos consumidores portugueses. Durante anos, o Jumbo de Alfragide (inaugurado em 1986) e o Continente da Amadora (1987) alternaram entre si como o hipermercado europeu com maior volume de vendas por metro quadrado, sinal inequívoco de que os consumidores portugueses tinham aderido em massa ao formato, ali comprando tudo, de batatas a televisores e, sim, livros.

Os livros nos hipermercados eram vendidos com grandes descontos, por vezes mesmo com prejuízo (mesmo depois de passar a ser proibido vender com prejuízo); os hipermercados pressionavam os editores a darem-lhes descontos cada vez maiores; a percepção pública dos diferenciais de preços colocava os livreiros em cheque perante os seus clientes leitores, e colocava os editores em cheque perante os seus clientes livreiros, que não compreendiam como podiam os hipermercados vender ao público mais barato do que eles próprios compravam aos editores. Ainda que se alegasse que os descontos só beneficiavam os consumidores e que era a lei do mercado concorrencial a funcionar, uma ameaça muito maior e muito mais grave começava claramente a surgir no futuro: o próprio livro estava a ser ameaçado por os hipermercados só quererem vender o livro de venda fácil e não quererem diversificar e aprofundar a sua oferta, e por a pressão dos descontos levar ao encerramento inevitável dos livreiros independentes.

Por todas estas razões, editores e livreiros, já unidos na APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, mas note que eu não tenho qualquer relação com a APEL), começaram formalmente a pressionar o Governo para que tomasse medidas legislativas que regulassem o mercado do livro. Simultaneamente, os hipermercados, pela voz da APED (Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição) tentavam manter o mercado do livro totalmente liberalizado.

Do confronto APEL/APED, aparentemente ganhou a APEL, porque surgiu o Decreto-Lei 176/96, de 21 de Setembro. No entanto, era uma lei incrivelmente imperfeita porque recheada de excepções, e incompetentemente redigida porque cheia de buracos de interpretação - ou seja, uma espécie de compromisso entre "APEL, tomem lá a vossa lei" e "APED, não se preocupem, isto não é para aplicar".

Foram precisos incrivelmente quatro anos para a lei ser clarificada, pelo Decreto-Lei 216/2000, de 2 de Setembro. Mesmo assim, no que a Lei tem de fundamentalmente importante, a questão das excepções ao preço fixo, ainda é muito imperfeita e é preciso lê-la mais do que uma vez para perceber, se é que se consegue, qual é o espírito da lei, que em Direito é mais importante que a letra da lei.

NOTA IMPORTANTE: esta génese e história da Lei do Preço Fixo do Livro ainda está muito incompleta, e poderá mesmo conter erros de memória. Quaisquer comentários, correcções, ou adições, são bem-vindos e poderão ser incorporados em futuras revisões deste post. Esta é a Versão 1.01, de 28/12/2008

2 comentários:

  1. Considero extremamente injusto e desagradável as referências á génese em Portugal da LPF e sua revisão. Tendo sido responsável em 1996 pela Comissão encarregue pelo Ministro do projecto de lei e, em 2000, da Comissão que procedeu à sua revisão, considero que os autores deste blogue (que não sei quem sejam) ignoram o contextto e as dificuldades políticas que levaram a que entre 1986 e 1996 fosse impossível avançar com a Lei. Se fomos todos incompetentes (e lembro que em ambas a s Comissões se encontravam quer a APEL quer a UEP), fico à espera que quem vier a seguir faça melhor. Estarei cá para ver (espero...)
    José Afonso Furtado

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  2. José Afonso Furtado desenvolveu o comentário acima noutro comentário aqui, num post no Blogtailors. Vale a pena ir lá e ler.

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