FAQ: Novidades acompanhadas de ofertas

Este é o primeiro do que espero venha a ser uma série de posts com respostas a todas as perguntas que chegarem por email ou por twitter ou por comentários aqui no blog. Todas as perguntas serão rigorosamente anonimizadas.

Pergunta: "Boa noite... Então... E se eu tiver um livro X publicado agora-mesmo, do mesmo autor do livro Y de há... dezanove meses. Posso fazer qualquer coisa como «na compra do livro X, desconto de 50% no livro Y»?"

Antes de responder, quero assinalar que o desconto de 50% da pergunta do consulente é uma forma de oferta parcial, que também poderia ser um desconto de 10% ou de 5%, ou até mesmo de 100%, caso em que se trataria de uma oferta total. A minha resposta aplicar-se-á a todos os casos de oferta, seja parcial ou total.

Aqui estão três exemplos reais das livrarias Bertrand, dois deles acabados de tirar do seu site e o outro fotografado numa das lojas, de novidades com oferta total de outro livro à escolha, em acções exclusivas da Bertrand.

Comecemos pela evidência: qualquer oferta parcial ou total de outro produto valoriza o produto-base que está a ser adquirido, caso contrário não valeria a pena estar a fazer a oferta. E valoriza porquê? Porque: ou o cliente vai usufruir da oferta ou, se o cliente não quiser usufruir da oferta, também a valoriza porque pelo menos sabe que ali lhe poderão dar algo mais numa próxima compra, e está a dar valor a essa informação e ao goodwill gerado pelo vendedor.

Se a oferta valoriza o produto combinado mas se o preço pago é inferior ao preço dos dois produtos individuais, é um corolário que o preço pago pode ser repartido pelo produto-base e pelo produto oferecido, efectivamente reduzindo o preço pago pelo produto-base. Só por aqui já deveria ser totalmente proibido fazer quaisquer ofertas com novidades que correspondessem a descontos superiores a 10%, nos termos da Lei (ressalvando as excepções previstas). Mas nem quero ir por este caminho, e assim evito a discussão sobre a repartição pelos dois produtos do preço pago. Por onde prefiro ir é pelo acesso dos retalhistas à oferta, indo assim de encontro ao objectivo da Lei.

O objectivo da Lei do Preço Fixo do Livro é colocar todos os retalhistas em pé de igualdade na venda de novidades. Só assim o consumidor-leitor pode escolher em situação de neutralidade de preço entre uma livraria independente e um hipermercado ou uma cadeia de livrarias. Se uma novidade está a oferecer o que quer que seja em todo o lado, então o consumidor continua a poder escolher a loja que quiser porque produto-base, produto combinado, preço e valor são idênticos em todo o lado.

Portanto, o problema coloca-se em saber se todos os retalhistas têm acesso à oferta porque o editor/distribuidor lhes deu essa possibilidade. Se a oferta não chegou a todos os retalhistas, então há distorção de concorrência no mercado porque produto, preço e valor deixam de ser idênticos em todo o lado; neste caso a Lei não está a ser respeitada, e então temos um problema, IGAC!

É o caso dos três exemplos que servem de ilustração, que têm "ofertas exclusivas". Não pode ser, Bertrand! (Ainda por cima, num dos exemplos, é a própria Bertrand editora que privilegia a Bertrand retalhista, num aproveitamento eticamente reprovável de sinergias de grupo para criar vantagens competitivas contra as restantes livrarias, que têm o azar de ser simultaneamente suas clientes e concorrentes.)

Está esclarecido o meu primeiro consulente? Se quer dar 50% de desconto na não novidade Y pela compra da novidade X, certifique-se de que a oferta parte do editor/distribuidor e que é extensiva a todos os retalhistas. Só assim se evita a distorção da concorrência, só assim não se entra em infracção à Lei.

Um comentário:

  1. Não é à toa que a lei se chama "do preço fixo". Este texto faz uma interpretação da lei que ultrapassa o âmbito da interpretação extensiva, porque vai para além da letra da lei. Quando se faz uma itnerpretação da lei, o intérprete não se pode abstrair da letra da lei, porque ao fazê-lo já não está apenas a interpretar...

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